Hanoi Hilton, um hotel sem estrelas

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O blog foi à Hanoi, Capital do Vietnã, e revela segredos de uma das prisões mais contraditórias do mundo, sarcasticamente apelidada de “Hanoi Hanoi” por prisioneiros norte-americanos lá detidos durante a guerra do Vietnã. Detalhe: a área, que foi palco de horrores desde o final do século XIX, hoje abriga em uma parte um museu que resgata apenas um dos lados desta longa história e na outra um luxuoso – e verdadeiro – hotel cinco estrelas.

 

História

Ao longo dos anos, uma série de atrocidades, torturas e mortes marcaram um dos principais prédios da área central de Hanoi. As paredes da Prisão de Hoa Lo, construída no final do século XIX pelos colonialistas franceses para tirar de circulação prisioneiros políticos vietnamitas, ficaram internacionalmente conhecidas, anos mais tarde, como “Hanoi Hilton” – designação irônica dada pelos combatentes norte-americanos lá detidos entre agosto de 1964 e março de 1973, durante a Guerra do Vietnã. Neste período, um dos “hóspedes” mais ilustres do complexo foi o então piloto e, hoje, senador dos EUA, John McCain (o mesmo que perdeu a disputa na primeira eleição de Barack Obama para a presidência norte-americana, em 2008).

Destruída parcialmente na década de 1990 pelo governo vietnamita para abrigar um imponente centro comercial e um luxuoso – e verdadeiro – hotel 5 estrelas, o que sobrou da antiga prisão virou um museu que, não surpreendentemente, só conta o lado asiático da história. Primeiro, exortando um suposto “espírito maléfico” dos franceses que dominaram o país por décadas, até que em 1954 foram batidos pelos guerreiros amarelos. Pelas celas da prisão, no entanto, passaram dezenas de lideranças que viriam, no raiar dos anos 50, colaborar com a independência do país, obtida justamente na vitória contra a França na Batalha de Dien Bien Phu (derradeiro combate da Guerra da Indochina).

 

Sem luxo neste “hotel”.

 

O problema é que a sonhada autonomia veio casada com um acordo firmado em Genebra, na Suíça, que dividiu o país em duas partes, na altura do Paralelo 17: o Vietnã do Norte e o Vietnã do Sul. O Norte, comunista e apoiado pela União Soviética e a China, era liderado por Ho Chi Min, um dos grandes responsáveis por enxotar os franceses do país; já o Sul, capitalista, restou abraçado com os EUA e teve na chefia do governo, inicialmente, a figura do imperador Bao Dai, aliado dos franceses. No entanto, meses depois de firmar o acordo de Genebra, os norte-americanos depuseram o imperador para colocar em seu lugar o líder católico Ngo Dinh Diem, que passou a dar as cartas no Sul.

O acordo de Genebra também agendou para 20 de julho de 1956 a realização de eleições gerais no país para confirmar, ou não, a unificação do Vietnã. Poucos meses antes da data prevista, porém, o Sul resolveu “roer a corda”, temeroso de que Ho Chi Min seria consagrado presidente do “novo país”, caso a eleição de fato ocorresse. Assim, sob o espectro da Guerra Fria (Comunismo x Capitalismo), estava pronto o cenário para o início da guerra do Vietnã, que durou de 1955 até 1975, quando o exército do Norte tomou a Capital do Sul, Saigon, atualmente denominada Ho Chi Min City (numa homenagem ao líder que morreu de ataque cardíaco no dia 2 de setembro de 1969).

Antes da queda de Saigon, o governo norte-americano já havia ordenado, em 1973, a retirada de suas tropas do solo vietnamita. Numa fragorosa derrota – que até hoje marca e divide os EUA -, mais de 58 mil soldados da terra do Tio Sam morreram em combate ou por causas diversas durante o confronto, sendo que cerca de dois mil ainda estão na lista dos desaparecidos. Outros 313 mil ficaram feridos. Já o saldo de mortes do lado vietnamita, embora controverso, é muito maior. Só de civis foram contabilizadas mais de 3 milhões de mortos. Por sua vez, o exército do Norte perdeu mais de 1,2 milhão de soldados (entre feridos e desaparecidos), com 600 mil feridos. O do Sul registrou 316 mil mortes e cerca de 1 milhão de feridos. Países periféricos que também se envolveram na guerra, como a Coreia do Sul (que apoiou o Vietnã do Sul) teve 5 mil mortes militares. Outras duas nações afetadas pelo conflito, o Laos e Camboja, tiveram mais de 500 mil mortes civis oficializadas.

Apesar do chocante número de mortes como resultado da Guerra, finalmente, nasceu um país unificado – ao menos oficialmente – de bandeira comunista e princípios socialistas que estão em voga até hoje. No entanto, se você perguntar às pessoas nas ruas de Hanoi e Ho Chi Min se valeu a pena tanto derramamento de sangue, as opiniões se dividem. Fato curioso é que os jovens do Vietnã do presente optam, em regra, por evitar falar do passado. A resposta mais comum é “estudei isso na escola, mas é difícil dizer com certeza o que e por quê tudo aconteceu”, sustentam para logo trocar de assunto.

 

“Gerência” francesa

Mas voltemos ao Hanoi Hilton para contar um pouco mais desta história.

Durante o tempo em que os franceses estavam no comando do país (o Vietnã fazia parte da Indochina Francesa), era comum a superlotação do local, que veio a se constituir na maior prisão erguida pela França durante todo o seu período de ocupação. Em 1954 – ano da derrocada dos “Le Bleus” em terras vietnamitas -, para se ter uma ideia, mais de 2 mil prisioneiros de olhos puxados se empilhavam por lá quando o espaço havia sido designado para atender (após uma ampliação ocorrida em 1913) a não mais do que 600 detentos. As condições lembravam muito as atuais cadeias brasileiras.

Os métodos de tortura e até de execução utilizados pelos compatriotas de Napoleão, de igual modo, eram duros e cruéis. Alguns deles estão em exposição no museu até hoje. O uso da guilhotina, por exemplo, é um deles. Fotos distribuídas pelas paredes do museu-prisão mostram, sem pudor, cabeças de vietnamitas decapitados no período. Do mesmo modo, num tremendo esforço de propaganda realizado pelo governo local, há o devido reconhecimento àqueles que deram sua vida pelo país na refrega contra os franceses. E, cá entre nós, eles merecem tal distinção – não só pela exitosa performance de 1954, mas, também, porque em menos de um quarto de século eles ainda bateram os EUA (entre os anos 1960 e 1970, na Guerra do Vietnã) e no fim da década de 1970 a própria China, numa disputa mais “regional”, digamos.

 

Guilhotina para não ser esquecida num dos espaços da prisão
Guilhotina para não ser esquecida num dos espaços da prisão

“Gerência” vietnamita

Durante a Guerra do Vietnã (chamada de Guerra Americana pelas bandas do Sudeste Asiático), já sob o domínio vietnamita, o primeiro “hóspede” de Hanoi Hilton foi o tenente Everett Alvarez Jr., que teve seu avião abatido em combate em 5 de agosto de 1964. Mas, apenas com a chegada do segundo prisioneiro, o piloto Bob Shumaker, é que surgiu o epíteto “Hanoi Hilton”. Shumaker assim se referiu à prisão de Hoa Lo ao apresentá-la ao tenente Roberto Peel, que viria a ser o terceiro “cliente” do estabelecimento. Coube ao mesmo Shumaker estabelecer um código entendido apenas pelos detentos americanos, que se resumia à batidas na parede. Cada batida representava uma letra. E assim, conforme relato dos próprios veteranos de guerra, eles conseguiam fazer com que as horas, os dias, meses e até mesmo mais de sete anos para alguns, passassem de uma forma onde seria possível acreditar num mundo fora daquelas paredes. Até poemas-batidos nas paredes brotaram do inferno de Hoa Lo.

Em 1967, uma nova área do complexo foi aberta. Ela ficou conhecida como “Little Vegas” (Pequena Vegas), pois passou a receber inúmeros combatentes norte-americanos treinados na base aérea de Nellis, próximo a Las Vegas.

No geral, os métodos mais comuns de tortura aos quais os americanos foram submetidos iam de longos períodos nas solitárias até a “pesca” de nacos de carne pendurados em anzóis, que entravam por uma fresta das portas das celas e ficavam localizados a alturas quase inalcançáveis para quem tinha mãos e tornozelos presos por algemas que sequer permitiam movimentos curtos. Quem cedia às dores físicas e mentais e bancava colaborar com a propaganda do Vietnã do Norte – que vendia ao mundo (a partir de fotos e pequenos filmes) a ideia de um suposto bom tratamento dos americanos presos em combate – tinha sua vida “facilitada”. Fontes dão conta de que, pelo menos, 114 combatentes norte-americanos teriam morrido enquanto eram mantidos sob a guarda do Vietnã do Norte, de 1964 a 1973.

Apenas para constar: os soldados dos EUA presos não estavam no Vietnã a passeio, eles foram em sua grande maioria capturados em movimentos de guerra, como bombardeios a diversas cidades e missões estratégicas específicas. Após o acordo de Paz de Paris, que teoricamente pôs fim à guerra do Vietnã (ou, ao menos, à participação dos EUA no combate), em 1973, um total de 673 soldados norte-americanos, que ainda estavam presos, foram liberados. Cerca de 2 mil, porém, seguem desaparecidos até hoje.

 

A estrutura do complexo foi mantida em partes. Uma boa parcela da área, porém, cedeu aos negócios do 'mundo moderno'.
A estrutura do complexo foi mantida em partes. Uma boa parcela da área, porém, cedeu aos negócios do “mundo moderno”

 

Saiba mais

  • A entrada no museu-prisão de Hoa Lo custa apenas 30.000 don vietnamita, o equivalente a menos de R$ 5,00. Ele está aberto todos os dias, das 8h às 17h.
  • Numa tradução literal do vietnamita, Hoa Lo significa “fornalha ardente”, e leva o nome da rua que a abriga. Por sua vez, os franceses deram ao local o nome de Maison Centrale, ou Prédio Central ou, simplesmente, penitenciária.
  • Certamente você já ouvir falar dos vietcongues (ao menos, em uma das músicas dos Engenheiros do Hawaii: “Era um garoto que como eu…“). Mas quem eram eles? Aqui vai a resposta: Os vietcongues formavam a Frente Nacional para a Libertação do Vietnã. Eles eram vietnamitas do Sul que lutaram ao lado do Vietnã do Norte contra a coalizão formada pelos EUA e pelo governo do Vietnã do Sul. Utilizando um português bem franco: eles “deram de relho” nos norte-americanos por sua habilidade nas táticas de guerrilha e conhecerem na palma da mão o terreno úmido e as selvas do Vietnã.
  • Nenhuma outra arma está tão associada à Guerra do Vietnã quanto o fuzil AK-47. Foi a principal arma do Exército do Vietnã do Norte e das guerrilhas do Sul e se converteu na arma revolucionária preferida em todo o mundo. As tropas americanas usaram, sobretudo, o fuzil M14 e, posteriormente, o M16. Os fuzis de assalto americanos eram de difícil manejo nas úmidas selvas do Vietnã.
  • Mais de 2,5 milhões de americanos serviram na guerra; em 1968, havia 536 mil deles combatendo. Em 1973, quando os EUA aceitaram um cessar-fogo, as forças do Vietnã do Sul eram de cerca de 700 mil, enquanto as do Vietnã do Norte somavam cerca de 1 milhão de combatentes.
  • A Força Aérea dos EUA lançou 6,7 milhões de toneladas de bombas sobre o Vietnã; as forças aliadas do Vietnã do Sul, Austrália e Nova Zelândia lançaram outras 1,4 milhão de toneladas. Esse montante corresponde a mais do dobro do volume de bombas lançado por Reino Unido e EUA – 3,4 milhões de toneladas – em operações na Europa e no Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial.
  • EUA e Vietnã normalizaram suas relações em 1995 e anunciaram um acordo amplo em 2013. O comércio bilateral movimentou quase US$ 35 bilhões em 2014.
  • O Vietnã pediu, sem sucesso, compensação às vítimas do “agente laranja” – substância química jogada pelas tropas americanas no solo para destruir plantações agrícolas e desfolhar florestas usadas como esconderijo pelos inimigos, que acabou causando danos, má-formação de crianças e contaminação, com efeitos que duram até hoje.
  • Já nos primeiros movimentos da guerra do Vietnã, o Brasil foi solidário aos EUA e contrário à “agressão norte-vietnamita”. Como era uma intervenção para “auxiliar” um país que estava sendo “atacado pelo comunismo” – o mesmo motivo que os militares haviam alegado para justificar sua ascensão ao poder em solo tupiniquim naquele mesmo período –, a posição do governo brasileiro de apoiar os EUA foi bastante lógica. Durante a guerra, o Brasil enviou café e medicamentos para o Vietnã, através da Cruz Vermelha Brasileira. Mesmo que tenha sido solicitada a participação de soldados locais no conflito, não houve o envio de tropas.
  • O quadro “Saiba Mais” tem como uma de suas fontes a rede inglesa BBC.

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Salus Loch

Salus Loch

Salus Loch é jornalista, advogado, escritor e fotógrafo amador, mas, acima de tudo, é um apaixonado por contar histórias e conhecer o mundo. Cada canto dele, se possível. Depois de passar uma temporada na Ásia, agora volta ao ar direto do Marrocos. Aqui, você irá conhecer os mistérios, encantos e curiosidades deste incrível país do Norte da África. Venha conosco - e satisfaça sua alma!

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