O dia-dia da Renata na África

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Sábado a tarde, aeroporto de Cape Town: Stanford, motorista e anjo da guarda de intercambistas que chegam à cidade, estava a minha espera. No caminho até Rodenbosch, subúrbio onde moraria durante a semana, passamos por uma favela e conversamos sobre semelhanças e diferenças entre Brasil e Africa do Sul, sobre Apartheid e suas memórias do período. O sistema político que dividiu o país entre brancos e não-brancos (1948-1994) ainda é fresco na cabeça daqueles que tiveram suas vidas afetadas, mas que conversam abertamente sobre as cicatrizes.

Cape Town, a cidade, ocupa uma área relativamente pequena em relação ao munícipio de Cape Town, que engloba subúrbios, distritos, townships, Rdps, shaqs e shantitowns. Fagocita a ajuda que vem de todos os cantos: voluntários europeus, brasileiros, americanos. Como toda grande cidade do mundo há crianças abandonadas, adolescentes tentando voltar a estudar, pessoas doentes e com fome, que precisam da disposição de quem estiver querendo ajudar.

Children’s Village

Children’s Village é uma entidade fundada em 1994 , em Thorton, anteriormente área da classe média branca. Abriga crianças negligenciadas pelos pais; as causas para perda da custódia dos filhos são as mesmas em qualquer lugar do mundo: abuso de álcool, drogas, abandono ou agressão. É uma vila com jardim de infância, salão de atividades, prédio das coordenadoras e 15 casas, onde moram de 8 a 12 crianças de idades variadas entre 2,5 a 15 anos, mais a “mãe e a tia da casa”. A instituição mantém os irmãos na mesma casa, na qual entrei como voluntária eram 4 pares de irmãos. O local reproduz o esquema familiar, os mais velhos vão a escola normalmente, todos ajudam nas tarefas da casa, há horário da lição e para dormir.

Agora corta. Primeiro dia, sou recebida por Nhandisa, assistente social, que me leva para conhecer as casas, as mães, já vê que a casa 4 tá sem tia ou voluntário, diz que o trabalho do voluntário ali é ajudar. E por ajudar você descobre, na raça, que é ajudar as mães com a arrumação da casa, ajudar as crianças pegando-as na escola, na lição, na hora de comer, ajudar no que precisar. Então depois de me mostrar todo o espaço diz “vc fica na casa 4, tá? Vou te levar para conhecer Margaret” e abre a porta e me deixa lá. Conversando com a mãe da casa, além de ter uma perspectiva mais ampla das crianças, da cidade e do que acontece por ali, começamos a arrumar a cozinha. Ela sorri porque limpo a geladeira. E fica incrivelmente feliz quando proponho fazer o jantar.

Children’s Village é uma instituição incrível, onde há tanto para fazer que não há tempo de coordenar os voluntários. O grupo que veio da Alemanha para trabalhar com as crianças organizou sozinho as atividades da tarde. O dia com elas começa a partir do meio dia, quando os pequeninos (ou todlers) saem do jardim de infância. Pegá-los na escola, dar lanche, fazê-los dormir. Os maiores, entre 7 e 12, chegam por volta das 14h30, e você organiza o lanche, brinca e coloca-os para fazer lição as 15h30, que é quando os maiores chegam. “Você está na casa 4? É uma das mais difíceis” me saudou Toby, um dos voluntários alemães. Margaret já tinha me dito que o apelido dos todlers Jocelyn e MacGregor era “os pequenos terroristas”, e isso se confirmou nos dias em que fiquei sozinha com as crianças: manhas para a hora de dormir são naturais, só que quando queriam testar-me falavam em Afrikaan. Não tive dúvidas em impor respeito usando o meu bom português. No final do dia uma mistura de sensações: um pouco de frustração por fazer o possível e isso não ser o suficiente para mudar o que acontece por ali, mas isso convive com o amor e a gratidão, com a alegria que um abraço e um beijo causam, com a paz que dá quando você percebe que conseguiu lidar com tudo aquilo. Margaret dizia que trabalhar no Children’s Village não é trabalho, é uma opção de vida. Foi muito difícil ir embora de lá.

 

School of Hope & Themba Care

Depois de cuidar das crianças a idéia era trabalhar com adolescentes. Cheguei no local onde fica a School of Hope, no suburbio de Athlone, às sete e meia e como no mesmo espaço ficava a Themba Care,  ao invés de ir direto a escola, vi uma porta aberta e fui entrando, falando que estava lá para ser a voluntária do dia. A enfermeira me mandou para uma sala com duas crianças, um tipo de berçário, com diversas instruções para cuidados com os pequenos, como alimentar, como estimular, como ajudar a sentar… rapidamente as duas viraram seis, depois dez… e três voluntárias e uma enfermeira, thanks god! Percebi que elas tinham algum tipo de deficiência, mas até aí quem não tem, não é? Hora de dar de comer, uma delas chorava a todo tempo – claro, a que pediram para eu alimentar – e enquanto esfriava o mingau e falava com ela, a outra voluntária disse “não adianta falar, ela é surda”.

Na primeira pausa voltei a conversar com Luise, chefe das enfermeiras e dos voluntários, e ela me explicou que a Themba Care era um espaço para bebês soropositivos. A maioria é saudável em relação ao HIV (desde 2009 o governo sul-africano dá os remédios para o tratamento) mas volta e meia têm alguma infecção hospedeira. Como a maioria dos centros de assistência, a idéia é que as crianças e seus pais sejam reconectados de alguma maneira, por isso no Themba há um abrigo também para as mães se tratarem. Foi só conversando com Louise que descobri que estava no lugar errado. A School of Hope pertence a mesma instituição mas ficava no prédio ao lado e abria as nove da manhã.

Cheguei lá e encontrei Laura Collura, ítalo-sulafricana que coordena o projeto e o setor de voluntariado da instituição. A escola fica num bairro suuuper bem frequentado e atende jovens que querem cursar o equivalente a oitava série e colegial no Brasil. A prioridade são estudantes que engravidaram e pararam os estudos, aqueles envolvidos com gangues que resolveram mudar de vida e os que que passam fome e querem estudar. Depois de conhecer as dependências da escola, professores e alunos (que ficam entusiasmados quando descobrem que você é brasileiro) voltamos a sala de Laura que tentava resolver o problema da falta do voluntário que iria ajudar na distribuição do almoço. Fui pro fogão esquentar e distribuir merenda junto com a incrível Tanya Musapuri, professora da 8a série, já que os professores também ajudam em todas as outras áreas fora da classe.

O trabalho da escola é incrível, mas foi ao ouvir Laura e ela conversarem sobre a admissão de uma aluna refugiada de Ruanda que percebi o quanto elas fazem. Ser voluntário é também entender que uma gota de água não faz um oceano, mas pode salvar um peixe. A escola tinha um voluntário fixo, Andy Lee, inglês, 65 anos, que foi ser professor de inglês por um ano, e ao descobrir que o time de futebol da escola não tinha treinador, então se prontificou a preparar os alunos para o campeonato e, gol, eles levaram a taça.

Soup Kitchen

Foi em 2009, Stanford Welman, 63, junto com sua nora, Faieka Welman e seu filho Quinton Welman,  que começaram com a distribuição de sopa em Michael’s Plan, a 4a maior township de Cape Town. As townships nasceram como área para onde os negros foram direcionados durante o Apartheid. Construída na década de 70, abriga entre 1,2 e 1,9 milhão de pessoas, em diferentes áreas. Era ali que o filho de Stanford morava até ser assassinado no ano passado, e ele luta para manter o objetivo de alimentar aqueles que tem fome.

Devido ao contato estreito com os intercâmbistas que estão na cidade, Stanford leva-os às quartas-feiras ao local, quando acontece a distribuição da sopa. Os voluntários brincam com as crianças, conhecem o outro lado da bela cidade e ajudam quem precisa. O Soup Kitchen acontece das três as cinco e meia da tarde, numa rua considerada “zona neutra”, ou seja, os líderes das gangues locais respeitam o espaço e não vão à ele, assim como os voluntários não saem caminhando sozinhos para outras áreas da comunidade.

Texto por Renata Simões
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